Com idealização de Eder dos Anjos, direção de Aysha Nascimento e dramaturgia de Victor Nóvoa, espetáculo é livremente inspirado em ‘Esperando Godot’ e cria reflexões sobre as contradições sociais e raciais brasileiras
Tendo como ponto de partida a premissa proposta pelo dramaturgo irlandês Samuel Beckett em Esperando Godot, o Coletivo dos Anjos cria uma série de reflexões sobre as lutas das pessoas pretas e as contradições sociais e raciais brasileiras em A Fuzarca dos Descalços. O espetáculoestreia no Sesc Belenzinho, no dia 11 de fevereiro, e segue até 13 de março, com apresentações às sextas e aos sábados, às 21h30; e aos domingos, às 18h30.
O trabalho foi idealizado por Eder dos Anjos, que está em cena ao lado de Salloma Salomão e dos músicos Ito Alves e Juh Vieira, que tocam ao vivo a trilha sonora em diálogo constante com a dramaturgia, como se a música também fosse narradora da peça. A direção é assinada por Aysha Nascimento, e a dramaturgia, por Victor Nóvoa. O projeto foi selecionado no 24º Cultura Inglesa Festival.
Na trama, Atsu e Baakir estão do outro lado da cerca. Eles não sabem se estão presos ou do lado de fora, apartados de um mundo ao qual não têm nenhum acesso. Ambos são corpos marginalizados que compartilham sonhos, cicatrizes e dores. Mesmo nas situações mais violentas e oníricas, eles permanecem juntos, tentando compreender e romper com tudo aquilo que os segrega da sociedade.
A peça é apenas livremente inspirada na obra de Beckett, já que tem como proposta romper com o pensamento niilista do pós-guerra ocidental, fortemente presente no texto original. Para isso, a nova dramaturgia problematiza essa questão da espera, partindo da premissa de que a população negra não tem esse privilégio de aguardar por algo inalcançável.
“Em Esperando Godot, as duas personagens entregam a salvação de suas vidas a alguém que nunca chega e vão aliviando as dores da existência na convivência entre eles. Na nossa Fuzarca dos Descalços, permanece a potência do convívio como força de existência, mas não há espera, há grande compreensão dos processos históricos e a memória é o chão onde se planta novas pulsões de vida. Há muito o que fazer e continuaremos apostando em uma ação conjunta”, explica o dramaturgo Victor Nóvoa.
Sobre essa questão, a diretora Aysha Nascimento complementa: “A comunidade negra sempre precisou agir ou reagir. Infelizmente, não temos a possibilidade de espera ou de encontrar um lugar pacífico. Estamos sempre no processo de construção da nossa própria humanidade. E, para representar isso, eu bato na tecla de que os atores estejam sempre fazendo e falando algo, praticamente não há silêncio. É uma adaptação não-obediente a Esperando Godot, porque queremos contradizer, contranarrar as narrativas hegemônicas que já estão há muito tempo ditando a nossa desumanidade”.
Ela revela que o grupo procurou deslocar o momento histórico do texto de Beckett. “Discutimos muito essa questão de que Esperando Godot estaria no pós-guerra europeu e para a população negra esse período poderia muito bem corresponder ao período pós-escravidão. O ator Salloma Salomão, que também é historiador e africanista, foi fundamental nesse processo para trazer referências que nos ajudassem a pensar as consequências desse processo para o nosso povo. Ele trouxe, por exemplo, pontos de vistas de Áfricas aos quais não temos muito acesso”, acrescenta a encenadora.
À medida que coloca em cena dois personagens masculinos de idades bem diferentes, Fuzarca dos Descalços também trata da questão da afetividade negra e da importância da polifonia na construção de um novo processo de humanização desses corpos. “A encenação vai trazer o lugar do amor, em que dois homens possam ter um diálogo e uma reflexão sobre o afeto, possam ser afetuosos um com o outro para além da sua sexualidade. E, para falar sobre essa questão da masculinidade negra, uma referência muito importante para mim foi o livro Representação e Raça, da Bell Hooks”, conta Aysha.
Outros temas discutidos pelo espetáculo são as possibilidades de reconstrução dos povos negros, as relações sociais que se estabelecem com a negritude e como as pessoas precisam construir juntas uma nova nação. E, para acentuar esse efeito de empatia e espelhamento no público, os espectadores precisam tirar os sapatos ao entrar na apresentação e ficar descalços, tal como os personagens. E os calçados da plateia também são ressignificados de diversas formas ao longo da montagem.
Ficha Técnica:
Idealização e concepção geral: Eder dos Anjos. Direção: Aysha Nascimento. Dramaturgia: Victor Nóvoa. Elenco: Eder dos Anjos e Salloma Salomão. Músicos: Ito Alves e Juh Vieira. Direção de arte, cenografia e figurino: Thays do Valle. Iluminação: Danielle Meireles. Assistente de arte e técnica: Cesar Riello e Renan Vinícius.
Serviço:
A FUZARCA DOS DESCALÇOS
do Coletivo dos Anjos
Temporada: De 11 de fevereiro a 13 de março de 2022.
Horários: Sextas e sábados, às 21h30; domingos, às 18h30
Local: Sesc Belenzinho, Rua Padre Adelino, 1000, Belenzinho – São Paulo (SP), Telefone: (11) 2076-9700, Teatro (374 lugares)
Ingressos: R$30 (inteira) e R$15 (meia-entrada/Credencial Sesc)
Venda online em sescsp.org.br/belenzinho. Venda presencial nas bilheterias de todas as unidades da rede Sesc
Recomendação etária: 12 anos
Duração: 60 minutos
Acesso somente com uso de máscara e apresentação do comprovante de vacinação com esquema vacinal completo