Com abertura em 27 de agosto (terça-feira), esta é a primeira exposição dedicada ao trabalho de Stefania nos últimos 30 anos. A mostra exibe a produção da fotógrafa de origem polonesa, que emigrou para o Brasil na década de 1950, e aborda também sua atuação enquanto crítica e curadora
A partir de 27 de agosto (terça-feira), o IMS Paulista exibe a mostra Stefania Bril: desobediência pelo afeto. A exposição apresenta ao público a obra fotográfica, a produção crítica e a atuação no campo institucional de Stefania Bril (1922-1992). Nascida na Polônia em 1922, em uma família judaica, Stefania emigrou para o Brasil em 1950. Em São Paulo, em 1970, consolidou-se inicialmente como fotógrafa e, a partir dos anos 1980, como crítica e curadora. Em suas imagens, captou especialmente cenas cotidianas, pessoas comuns e momentos de encontro e irreverência, em perspectivas que propõem sutis deslocamentos na forma de olhar para as metrópoles e seus habitantes.
Primeira exposição individual dedicada à obra de Stefania nos últimos 30 anos, a seleção tem curadoria de Ileana Pradilla Ceron e Miguel Del Castillo, com assistência de Pamela de Oliveira. No dia da abertura (27/8), às 19h, os curadores participam de uma conversa sobre a mostra com a jornalista Cremilda Medina e as fotógrafas Maureen Bisilliat e Nair Benedicto. As três, que conviveram e trabalharam com Stefania, falarão sobre como se dava sua atuação no campo da fotografia na década de 1970, num cenário antidemocrático e de preponderância masculina. O bate-papo acontece no cineteatro do centro cultural, com entrada gratuita e distribuição de senhas 1 hora antes.
Stefania Bril nasceu em Gdansk, na atual Polônia, e viveu a infância e adolescência em Varsóvia. Ao lado de seus pais, sobreviveu ao Holocausto, adotando uma identidade falsa e contando com a ajuda de organizações da resistência. Ao término da guerra, já casada, mudou-se para a Bélgica, onde se graduou em química. Em 1950, Stefania e o marido migraram para o Brasil. Residindo em São Paulo, trabalhou com pesquisas nas áreas de bioquímica e química nuclear. Sua atuação na fotografia começou relativamente tarde, aos 47 anos, quando se matriculou na escola Enfoco. Após aprender o ofício, dedicou-se a fotografar com intensidade na década de 1970, produzindo especialmente ensaios.
No fim dos anos 1970, passou também a atuar como crítica e curadora. Foi a primeira pessoa a assinar como crítica de fotografia na imprensa brasileira, escrevendo por mais de uma década no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Iris Foto. Em suas colunas, analisou boa parte da produção fotográfica brasileira e internacional apresentada em São Paulo nos anos 1980. Stefania organizou ainda os primeiros festivais de fotografia no Brasil, os Encontros de Campos do Jordão, em 1978 e 1979, e concebeu a Casa da Fotografia Fuji, primeiro centro cultural em São Paulo voltado exclusivamente para o ensino e a divulgação da fotografia, que coordenou de 1990 a 1992. Seu acervo, que inclui sua obra fotográfica, crítica e sua biblioteca, está sob a guarda do IMS (saiba mais abaixo).
A exposição foca especialmente na produção fotográfica da artista, menos conhecida do que sua atuação crítica. São exibidas cerca de 160 fotografias, grande parte em preto e branco, tiradas sobretudo na década de 1970, ampliadas digitalmente a partir dos negativos. As imagens, muitas delas inéditas, abrangem duas grandes temáticas presentes na obra de Stefania: as cidades, vistas a partir de uma perspectiva crítica à modernidade, e as pessoas que as habitam – crianças, idosos, trabalhadores. A seleção traz ainda dois núcleos com vídeos e documentos que mostram seu trabalho enquanto crítica, curadora e articuladora do campo fotográfico. Há ainda cópias de época e uma linha do tempo contando a trajetória da artista. Ao todo, são exibidos cerca de 340 itens.
Segundo a curadoria, ao não focar em temáticas como o campo da política ou dos retratos de personalidades, a obra de Stefania “questiona certos critérios tradicionais de valoração da fotografia”. Sua produção mostra sobretudo o fluxo da vida, observando as sutilezas, as ironias e contradições do dia a dia, com registros de momentos lúdicos e de afeto, como pontuam os curadores: “O cotidiano, considerado um tema sem importância, é afirmado por Stefania como espaço de resistência, inclusive em meio a um contexto totalitário como os anos de chumbo no Brasil quando fotografava. […] Pouco a pouco, revela-se, por exemplo, a posição crítica de Stefania, que enxerga a falência da cidade moderna em meio às metrópoles que fotografou, e que aposta no afeto como antídoto à violência estrutural vigente.”
Na exposição, há fotos principalmente de São Paulo, mas também de outras grandes cidades, como Nova York, Paris, Amsterdã, Jerusalém e Cidade do México. As pessoas “anônimas” que habitam essas urbes contraditórias são as protagonistas das imagens (“Eu gosto de gente, não de carros”, escreveu a artista em 1975). Embora signos das metrópoles, como edifícios e construções, também estejam presentes, nas fotos de Stefania eles são atravessados por intervenções lúdicas, evidenciando a posição crítica da fotógrafa em relação à padronização e desumanização impostas pela razão moderna. Já na série Descanso, registra homens cochilando em seus locais de trabalho, resistindo à lógica produtivista ou simplesmente esgotados por ela, e, em outro conjunto, retrata trabalhadores que mantêm vínculos com o fazer artesanal, como pintores e músicos de rua.
O humor e a ironia também transparecem nas fotografias. Algumas delas trazem cenas que beiram o surreal, como a imagem de uma vaca no meio de Amsterdã; a de uma mulher carregando uma nuvem de balões no meio da Quinta Avenida, em Nova York; ou ainda a de um menino que lê um gibi deitado dentro de um carrinho de supermercado em São Paulo. Ainda na chave do humor, Stefania também mira seu olhar para as escritas das cidades, capturando cartazes, outdoors e pichações. Sobre esse caráter de sua obra, a artista escreveu: “Insisto em ter uma visão poética e levemente zombeteira de um mundo que às vezes se leva a sério demais.”
A mostra também apresenta diversos retratos feitos por Stefania, outra característica marcante de sua produção. Na maioria das imagens, prevalecem crianças, concentradas em suas brincadeiras, e pessoas idosas, fotografadas nas ruas ou no ambiente doméstico. Há também figuras populares em seus contextos locais, como o casal Eduardo e Egydia Salles, quituteiros famosos em Campos do Jordão, cidade de veraneio das classes abastadas paulistanas, onde Stefania possuía uma residência, e Maria da Conceição Dias de Almeida, conhecida como Maria Miné, importante personalidade da cidade.
Já no núcleo sobre sua atuação enquanto crítica de fotografia, o público poderá conhecer o seu processo de elaboração de matérias que publicou, a partir do final da década de 1970, em O Estado de S. Paulo e na revista Iris Foto. No segmento dedicado a seu papel em busca da institucionalização da fotografia como um campo cultural, serão exibidos, entre outros itens, esboços de alguns de seus projetos, como os Encontros de Campos do Jordão, e a constituição da Casa da Fotografia Fuji, em São Paulo. Em seu conjunto, os materiais também mostram a importância de Stefania Bril na ampliação e no fortalecimento do campo fotográfico no Brasil na década de 1980.
Segundo os curadores, “a falta de reconhecimento de Stefania nas discussões sobre fotografia impediu que sua obra se tornasse uma referência na cultura visual do país”. A mostra, que fica em cartaz até janeiro de 2025, tem um caráter panorâmico que visa colaborar para reparar essa omissão, trazendo também leituras para sua produção a partir de questões contemporâneas. A exposição enfatiza, assim, a singularidade do seu olhar, calcado na desobediência aos padrões e nas potências do encontro e do afeto, como a própria fotógrafa afirmou em 1975: “Nesse nosso mundo de violência, continuo obstinadamente a acreditar no ‘homem humano’ e em que as coisas sem importância são as únicas que dão importância à vida do homem.”
Serviço
Exposição Stefania Bril: desobediência pelo afeto
Abertura: 27 de agosto, às 18h
Visitação: até 26 de janeiro de 2025
Local: 6º andar | IMS Paulista
Endereço: IMS Paulista – Avenida Paulista, 2424. São Paulo, SP. Tel.: (11) 2842-9120
Entrada gratuita