Pandemia: os aprendizados em um ano de home office

Como empresas e especialistas avaliam o primeiro ano de trabalho em casa e o que levar em conta daqui para frente

A pandemia de Covid-19 demonstrou que o home office é tecnicamente viável e veio para ficar, seja em formato híbrido ou 100% remoto. Como o início do lockdown, em muitas partes do Brasil, se deu em meados do mês de março de 2020, muitas empresas completam agora um ano de erros, acertos e muita aprendizagem. Entre especialistas em gestão de pessoas e colaboradores de empresas de diversos tamanhos e setores, algumas práticas comuns chamam a atenção e servem de lição para o presente e o futuro.

Preocupação com cibersegurança

Há um ano com pelo menos 80% da equipe de administração em home office, a construtora A.Yoshii investiu pesado em cibersegurança, aprimorando o uso de ferramentas de colaboração e digitalização de processos, além de segurança da informação para o acesso remoto, com melhorias e upgrades em VPN, firewall, licenças e ferramentas para videoconferências em grupo. De acordo com o gerente de TI do Grupo A.Yoshii, Michael Vicentim, a migração do trabalho in loco para o home office acelerou a transformação digital nas empresas, trazendo a certeza de que a tecnologia garante a eficiência no trabalho à distância. A empresa, porém, parece exceção, pois, no Brasil, com o aumento de 70% do fluxo na internet (Kantar Consulting) e grande parte dos funcionários utilizando dispositivos pessoais após a mudança para o trabalho remoto, a exposição a ataques cibernéticos se multiplicou, deixando claro que há uma fragilidade no país em questões de cibersegurança. Entre fevereiro e abril de 2020, período que representa a implementação do home office nas empresas brasileiras, ataques direcionados a vulnerabilidades de acesso remoto aumentaram em mais de 300% no Brasil em relação aos meses anteriores.

O meio ambiente agradece

Com 100% do quadro administrativo em home office, a indústria de alimentos Jasmine registrou economia em itens básicos de funcionamento, como energia, água, papel, impressão e copos descartáveis. De acordo com o professor dos Programas de Pós-Graduação em Administração e Gestão Ambiental da Universidade Positivo, Cleonir Tumelero, além desses itens, a menor mobilidade e, portanto, menor consumo de combustíveis, de roupas e calçados, também contribui com o meio ambiente. Porém, ele chama atenção para que essa economia de energia, água e geração de resíduos seja estendida para as residências. “A digitalização dos processos já exclui a impressão e utilização de papéis. Menos roupas para lavar significa também menos uso de água e de forma mais consciente e, por fim, a energia pode ser melhor aproveitada com o trabalho em ambientes com luz natural”, aconselha.

Novos benefícios

Com o trabalho remoto, o vale transporte passa a ser menos importante que o vale internet. A startup PhoneTrack oferece ajuda de custo para que os colaboradores possam adequar as estruturas de trabalho para além dos equipamentos fornecidos pela companhia, além de contribuir também com despesas como internet e energia, que acabaram sofrendo acréscimo com os trabalhadores em casa. “No final de 2020, também fechamos uma parceria para que os colaboradores tenham acesso a terapia virtual, dando assim mais uma ferramenta para o cuidado com a saúde mental, tão importante quanto a do corpo”, conta o CTO e Co-Founder da PhoneTrack, Márcio Conceição. Já a Tecnobank, empresa paulista que transferiu 100% dos colaboradores do escritório de 500 m2 na Vila Olímpia para o conforto e segurança de suas casas, percebeu que 30% deles dividiam suas responsabilidades com a maternidade ou paternidade de crianças menores de 14 anos – ou seja, que exigem mais atenção e tempo dedicado dos pais em home office. Para ajudar esses colaboradores, a empresa criou um canal interno de entretenimento educativo infantil, o TBKids, com sugestão de conteúdos, canais do Youtube, livros e vídeos divididos por faixa etária; lives de contação de histórias apresentadas por um grupo teatral e sugestões de atividades lúdicas elaboradas por uma equipe especializada em Educação Infantil.

Atenção à ergonomia

No consultório do ortopedista do Hospital Marcelino Champagnat, Francisco Zaniolo, na capital paranaense, as queixas de um em cada dez pacientes são relacionadas a dores na coluna provocadas pelo home office e pelas mudanças nos hábitos. Segundo o médico, móveis e equipamentos inadequados, a jornada aumentada de trabalho (atividades com os filhos, limpeza e tarefas de casa) e o sedentarismo estão aumentando a incidência de dores lombares e cervicais e, a longo prazo, podem gerar problemas ainda maiores, como tendinite, bursite, desgaste da cartilagem das articulações e artrose precoce na coluna, ombros, joelhos e cotovelos. Pensando nisso, a Jasmine disponibiliza aos colaboradores não apenas o Vale Home Office, como manuais de segurança em casa, orientações de forma de trabalho e cuidados com ergonomia. “Também oferecemos a possibilidade dos nossos colaboradores emprestarem as cadeiras ergonômicas que utilizam em nosso escritório pelo período necessário, até poderem organizar um ambiente em casa que seja seguro para eles”, destaca Rodolfo Tornesi Lourenço, diretor de inovação e transformação da Jasmine Alimentos.

Colaboração e cooperação

De acordo com a professora de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade Positivo, Carolina Walger, o afastamento presencial aumentou, na maior parte dos colaboradores, o espírito de equipe, a empatia, a colaboração entre trabalhadores de uma mesma empresa. “Durante o trabalho remoto, os profissionais se sentiram mais à vontade para compartilhar dificuldades, pedirem e oferecerem apoio”, revela a psicóloga. Um dos aprendizados da PhoneTrack durante esse período foi enxergar que os colaboradores precisavam se conhecer melhor. “Como boa parte dos novos funcionários foi contratada já no modelo remoto de trabalho, as lideranças perceberam que aproximadamente 30% da empresa não se conhecia. Foi quando passamos a estimular reuniões entre dois membros de diferentes times, onde eles podem se conhecer, identificar interesses em comum e possibilitar trocas fora do ambiente de trabalho”, conta Conceição. Para a diretora de Gente & Gestão da Tecnobank, Michaela Vicare, incentivar a realização de happy hours, cafés da manhã e treinamentos, todos feitos virtualmente, é fundamental. Com o apoio da tecnologia, isso pode ocorrer sem prejuízos ao diálogo e ao aprendizado. “Atitudes como essas, que podem ser adotadas por empresas de quaisquer portes e segmentos, contribuem diretamente com a produtividade e o engajamento nesse período e demonstram o respeito da companhia para com os seus colaboradores”, enfatiza.

Burnout

Cansaço excessivo, estresse, irritabilidade, dificuldade de concentração, lapsos de memória, ansiedade, depressão, agressividade. Esses são alguns dos sintomas que podem indicar que o profissional chegou ao seu limite, o Burnout. Um dos motivos que podem potencializar a sensação de exaustão é a falta de separação entre trabalho e a vida pessoal provocada pelo formato home office. Uma pesquisa da Microsoft revela que, para 33% das pessoas que estão trabalhando remotamente, a falta de separação entre trabalho e vida pessoal está impactando negativamente seu bem-estar. Segundo a professora de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Universidade Positivo, Carolina Walger, alguns cuidados podem ajudar na prevenção e controle do Burnout. “O ideal é separar o horário do trabalho do horário para o lazer, o tempo para interagir com a família, de cuidar da casa, e também um tempo de autocuidado”, destaca. Além disso, ela também lembra que o estresse emocional por conta da própria pandemia, perda de familiares, crise econômica nacional – tudo isso influencia diretamente no estado emocional do trabalhador e contribui para o Burnout. “O estado emocional abalado faz com que o profissional perca concentração e produtividade e, para compensar, decide trabalhar mais tempo para dar conta do trabalho – o que acaba piorando ainda mais a saúde emocional e virando uma bola de neve”, alerta a psicóloga.

Com mais de 30% dos colaboradores em home office, o CEO da Neodent e EVP do Grupo Straumann da América Latina, empresa líder em implantes odontológicos no Brasil, Matthias Schupp, dá prioridade a video mensagens, que tornam-se mais pessoais que comunicados escritos aos colaboradores. A empresa destaca também town hall meetings – evento on-line promovido para conversas abertas entre os colaboradores e a presidência. “Essas reuniões destinam amplo tempo para perguntas e me certifico de responder uma a uma”, destaca Matthias. As mídias sociais foram mais um jeito que o CEO encontrou de se aproximar das pessoas. Através de postagens semanais, Matthias compartilha projetos, perspectivas e inspirações do seu dia a dia. Além disso, a Neodent promove mensalmente conversas on-line com pequenos grupos de colaboradores, para tomar um café e conversarem sobre assuntos diversos com o CEO. Após receber alguns relatos de profissionais que estavam muito esgotados no home office, Matthias procurou estar ainda mais próximo e conta que se preocupa genuinamente com cada um deles. Nos encontros, ele tem reforçado, por exemplo, a importância da hora do almoço para preparar refeições com calma e conseguir desligar do trabalho em um momento de relaxamento e renovação de energia. Além de reforçar a importância de evitar passar o dia inteiro em reuniões on-line, o que torna os dias menos produtivos e mais cansativos.

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