Peugeot do Brasil é flagrada por infringir o Código de Direito do Consumidor

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Quase que passou por despercebida ontem dia 10 de janeiro, um anuncio institucional da Peugeot do Brasil relatando um processo – 2014.01.1.090054-3 – do qual é ré. Mas, o que rolou?

Super Top Motor foi atrás da informação e descobriu que o fabricante francês infringiu o CDC – Código de Defesa do Consumidor por falta de peças de reposição. O juiz Jerry Adriane Teixeira, da 206 – SEXTA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA, foi quem deu a sentença por considerar que “alegando que instaurou Inquérito Civil Público- ICP, n. 270/2013 de 14 de janeiro de 2013, a fim de apurar a falta de peças de reposição da ré, conduta que configura prática abusiva, por violação do art. 32 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em razão de reclamação formulada pelo consumidor Michel Roman Vieira. Aduziu que o consumidor originário da reclamação relatou que o fabricante demorou cerca de 5 meses para disponibilizar as peças necessárias ao conserto de seu veículo, em razão da falta de peças para reparo no mercado brasileiro.”

Que coisa feia dona Peugeot… E agora? Leia, a seguir, a íntegra do Processo  2014.01.1.090054-3 que a Peugeot do Brasil é ré!

 

“Circunscrição : 1 – BRASILIA
Processo : 2014.01.1.090054-3
Vara : 206 – SEXTA VARA CÍVEL DE BRASÍLIA

Processo : 2014.01.1.090054-3
Classe : Ação Civil Pública
Assunto : DIREITO DO CONSUMIDOR
Requerente : MPDFT MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITORIOS
Requerido : PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMOVEIS LTDA

Sentença

MINISTÉRIO PÚBLICO opôs Embargos de Declaração à sentença prolatada às fls. 241/244, aduzindo, em síntese, que houve omissão quanto ao pedido de condenação por danos morais coletivos.
Requer sejam conhecidos e providos os embargos a fim de suprir a omissão, dispondo de maneira favorável acerca da condenação pleiteada.
É o relatório, passo a decidir.
Conheço dos presentes embargos de declaração, eis que interpostos no prazo legal.
No mérito, assiste razão ao Embargante.
Com efeito, consta da inicial o pedido condenatório de danos patrimoniais e morais causados aos consumidores, conforme alínea “d” de fls. 14, tendo a sentença apreciado tão somente o pedido de condenação por danos patrimoniais.
Manifesta, pois, a omissão apontada.
Isto posto, conheço dos presentes embargos de declaração e, no mérito, acolho-o para afastar a omissão existente, passando a sentença de fls. 241/244 a ter a seguinte redação:
Trata-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS em desfavor de PEUGEOT CITROEN DO BRASIL AUTOMOVEIS LTDA, alegando que instaurou Inquérito Civil Público- ICP, n. 270/2013 de 14 de janeiro de 2013, a fim de apurar a falta de peças de reposição da ré, conduta que configura prática abusiva, por violação do art. 32 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em razão de reclamação formulada pelo consumidor Michel Roman Vieira. Aduziu que o consumidor originário da reclamação relatou que o fabricante demorou cerca de 5 meses para disponibilizar as peças necessárias ao conserto de seu veículo, em razão da falta de peças para reparo no mercado brasileiro.
Asseverou que há inúmeras reclamações no site “RECLAME AQUI” relacionadas à falta de peças para reposição, fls. 53/109, assim como alguns registros no PROCON/SP, fls. 48/51.
Aduziu que em razão das inúmeras reclamações por falta de peças de reposição, o representante legal no Brasil da marca Peugeot não cumpre adequadamente com a obrigação legal prevista no art. 32 do CDC, pois a reposição deve ser imediata.
Requereu a condenação da empresa requerida (i) na obrigação de manter componentes e peças de reposição em solo brasileiro, para todos os seus produtos colocados no mercado de consumo brasileiro (Marca Peugeot), para pronta disponibilização, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 para cada ato de descumprimento comprovado, (ii) a divulgar o resultado da presente demanda coletiva em todas as capitais do país, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00, (iii) a divulgar em local visível no Manual do Proprietário/Veículo, que possui obrigação de manter peças de reposição em estoque à pronta disponibilização, (iv) em danos patrimoniais e morais na forma do art. 95 do CDC.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 17/162.
Citada, fl. 166v, a ré apresentou contestação e documentos às fls. 169/220, aduzindo que os fatos alegados pelo autor não merecem prosperar, sob o argumento de que (i) são fundados em episódios pontuais que não refletem o tratamento dispensado à coletividade e (ii) que inexiste regra que imponha imediata disponibilização de peças como pretendida pelo autor. Asseverou que todas as peças/componentes de reposição dos veículos da marca Peugeot se encontram disponíveis ao mercado brasileiro. Os eventos narrados na inicial devem ser interpretados como casos isolados, em razão dos milhares de consumidores atendidos. Aduziu que algumas peças, em razão de sua baixa demanda, requerem um tempo maior para serem disponibilizadas, outras peças, dadas as características especiais, como chaves decodificadas e chassis, são disponibilizadas mediante encomenda, mas sempre em período razoável. Informou que vem realizando investimentos em estrutura e logística, a fim de agilizar o atendimento aos consumidores. Aduziu que o art. 32 do CDC não estabelece prazo porque este varia de acordo com o tipo de peça/componente a ser fornecido. Requereu a improcedências dos pedidos formulados pelo autor.
Réplica às fls. 222/226.
Determinada a especificação de provas, fl. 227, a ré requereu prova pericial, oral e documental, fls. 229/232, e o autor requereu o julgamento antecipado da lide, fls. 234/239.
Este é o relatório do necessário.
DECIDO.
Comporta o feito o julgamento antecipado, pois prescinde de dilação probatória, nos termos do artigo 330, I, do CPC. A prova é dirigida à formação do convencimento do magistrado, cabendo a este velar pela rápida solução do litígio, evitando a realização de atos procrastinatórios que em nada contribuiriam para a solução da pendenga. Assim, entendo que o feito se encontra apto ao recebimento da prestação jurisdicional.
Entendo ser desnecessária a prova pericial para que o perito “verifique o hiato temporal médio” de entre

ga das peças, pois a norma deixou em aberto o prazo e há um sem número de relatos de consumidores que tiveram que aguardar tempo demasiado para poderem circular com seus veículos, o que justifica a presente demanda, isso sem falar dos que não oficializaram suas reclamações. Portanto, ainda que se comprovasse tempo razoável para um sem número de clientes, para outro o tempo foi exagerado.
Pela mesma razão, não há que se falar em prova oral, pois testemunhas trarão relatos de fatos que conhecem e já há nos autos documentação suficiente para a prestação jurisdicional.
Não há preliminares a serem analisadas, passo ao exame de mérito.
O litígio em questão versa sobre a alegação do Parquet de falta de peças e componentes para reposição ao consumidor brasileiro da marca Peugeot, que atinge a coletividade de consumidores.
Vejamos o que estabelece o art. 32 do CDC e seu parágrafo único, in verbis:
“Art. 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.
Parágrafo único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei”.
Da leitura dos dispositivos do CDC, verifica-se que o legislador se preocupou em determinar que os fabricantes e importadores devem assegurar a oferta de peças e componentes para reposição, enquanto não cessada a fabricação ou importação do produto. Tal determinação visa evitar que os consumidores não sejam pegos de surpresa ao adquirir um produto e descobrir que não há peças para reposição, ou seja, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor frente ao mercado de consumo.
Em que pese a clara obrigação dos fabricantes e importadores em assegurar a oferta de peças e componentes, o dispositivo não estabeleceu o prazo em que a peça deve ser disponibilizada ao consumidor. Contudo, no caso de cessada a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei. Assim, verifica-se que o legislador optou por estabelecer um prazo razoável no parágrafo único, do art. 32, do CDC, e embora estabeleça um prazo razoável, este não é definido em prazo mínimo ou máximo. Ademais, no caso dos autos, a questão versa sobre o “caput” do referido artigo.
Note-se que se trata de norma em aberto, pois deixou para interpretação dos operadores do Direito o tempo em que essas peças devem ser repostas.
O autor discorre na petição inicial que em razão do dispositivo não prever em qual prazo o consumidor deve ser atendido, quanto ao fornecimento das peças de reposição, a obrigação de oferta deve ser imediata, devendo o fabricante ou importador manter peças à pronta disposição.
A ré, por sua vez, aduz que a interpretação dada pelo autor quanto ao dispositivo não se mostra razoável, dada a diversidade de peças/acessórios fabricados pela ré e a universalidade de consumidores que contratam com a Peugeot. Afirma, ainda, que não se mostra razoável que a Peugeot tenha de disponibilizar, de forma imediata, componentes que muito raramente são solicitados pelo mercado consumidor.
É cediço que no mercado automobilístico há peças e componentes que demandam maior procura, outras requerem a importação em razão de serem fabricadas fora do país, e, ainda, peças que possuem baixa demanda. Diante desse cenário, há situações em que determinadas peças/componentes, que em razão do seu valor elevado e a baixa procura, tornam inviáveis a manutenção para pronta disposição aos consumidores, até porque gerariam um custo elevado às concessionárias, que repassariam aos consumidores, causando-lhes ainda maiores prejuízos, por óbvio.
Compelir as empresas a manterem em seus estoques todas as peças/componentes de um veículo, sem levar em consideração a demanda, valor e custo de armazenamento, inviabilizaria a sua atividade.
Dessa forma, impossível se torna a disponibilização imediata de qualquer peça ou componente, conforme requer o Ministério Público, salvo as que realmente já se encontrem em estoque.
Todavia, apesar de o legislador ordinário ter deixado “em aberto” esse prazo, entendo que o CDC merece uma interpretação sistemática.
Ora, o artigo 18 do CDC prescreve, no caso de vício do produto, que o fornecedor terá o prazo máximo de 30 dias para saná-lo, sob pena de abrir ao consumidor várias opções descritas no § 1º.
A meu juízo, independentemente da razão que levou à necessidade da reposição, ou seja, se por vício do produto, ou por desgaste natural da peça ou componente, ou ainda em razão de colisões de veículos, tão comuns nesse trânsito caótico das cidades, o fato é que o consumidor da marca necessita da reposição em prazo razoável. Assim, verificando que foi concedido o prazo de 30 dias para que seja sanado o vício, que inclui a reposição da peça em caso de necessidade, entendo muito razoável que o mesmo prazo seja observado, quando os concessionários não tiverem as peças de reposição em seus estoques. Que fique claro que e

sses 30 dias servem para que a ré forneça a peça, partir da necessidade do cliente.
Se a ré faz a reposição em menos tempo, conforme sustenta, não terá qualquer problema em cumprir a decisão judicial que ora se profere.
O que não se deve admitir é que este prazo seja extrapolado, pois malfere a razoabilidade.
O consumidor de veículos importados deve ter em mente, também, que, em determinados casos, haverá um demora maior para a reposição de alguns componentes, mas jamais poderá ultrapassar o prazo ora definido.
Com isso, entendo que, independentemente de onde esteja a peça, deverá a ré providenciar a reposição no prazo máximo de 30 dias, sob pena de pagamento de multa.
No tocante à publicidade da presente sentença, entendo que não há razão para que a ré a faça em todas as capitais do país, em razão do que dispõe o artigo 16 da Lei nº 7.347/85, que limita a extensão territorial da coisa julgada para este tipo de ação. Portanto, a publicidade deve se limitar ao Distrito Federal, sendo suficiente que os anúncios publicitários se dêem em jornais de grande circulação desta unidade federativa, em circulação dominical, pelo período de oito domingos consecutivos. O anúncio deverá conter que a PEUGEOT tem o dever de fornecer peças e componentes de reposição, em no máximo 30 dias, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada descumprimento.
Entendo absolutamente desnecessária a divulgação no manual do proprietário de que a ré tem “obrigação de manter peças de reposição em estoque à pronta disponibilização do consumidor e que a peça deverá estar disponível ao consumidor em tempo razoável, sob pena de indenização específica”, pois essa determinação decorre de lei, qual seja, fornecer em tempo razoável, que foi justamente o objeto da presente demanda.
No tocante aos danos patrimoniais pleiteados, entendo que melhor sorte não socorre o Ministério Público, pois eventual demora baseou-se na falta de definição do prazo legal, sendo somente agora analisada a questão, não impedindo que cada consumidor proponha sua ação individual, se assim o desejar, até porque para a responsabilização civil há de se apreciar todos os pressupostos, que não vieram a estes autos a merecer uma sentença de procedência.
Quanto aos danos morais, melhor sorte não socorre o Parquet, pois entendo que cada caso deve ser analisado de per si, sob pena de transformar dissabores do cotidiano, provenientes dessa economia de massa, em situações que atingiriam, falsamente, a psique humana, ainda mais diante da instabilidade na caracterização dos danos sofridos individualmente pelos usuários, não vislumbrando, a meu sentir, prejuízo à coletividade.
Perfilho do mesmo entendimento externado pelo e. TJMG, no julgamento da apelação nº 107020519696740011 MG 1.0702.05.196967-4/001(1) (TJ-MG) , em que ficou consignado que “(…) a noção de dano moral encontra-se impregnada de dor e sofrimento que acomete a vítima, e, na medida em que a ação civil pública objetiva a defesa de interesse transindividual ou coletivo, não há como sancionar o réu sobre esta ótica”, bem como do julgamento proferido pelo TRF da 5ª Região, na Apelação Civel AC 5563020104058001 (TRF-5), em que ao analisar pedido semelhante, entendeu-se que (…) a idéia de dano moral está intimamente ligada à noção de esfera subjetiva, cuja violação resta caracterizada pela dor, vexame ou desonra causada na órbita psíquica de indivíduo determinado, sendo incompatível e temerário estender a compensação por dano moral à indeterminibilidade do sujeito passivo, principal característica da ação civil pública em exame.”
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO formulado pelo autor para condenar a ré a fornecer a reposição de peças e componentes de sua marca aos consumidores finais, por intermédio de seus concessionários, no prazo máximo de 30 dias a contar do pedido dos consumidores, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada descumprimento.
Deverá a ré publicar em jornal de grande circulação desta unidade federativa, pelo período de oito domingos consecutivos, anúncio noticiando que a PEUGEOT tem o dever de fornecer peças e componentes de reposição, em no máximo 30 dias, sob pena de multa de R$ 5.000,00 por cada descumprimento.
Resolvo o mérito com base no art. 269, I do CPC.
Deixo de condenar o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85. Em face da sucumbência recíproca, arcará a ré com a metade das custas processuais.
Após o trânsito em julgado, sem novos requerimentos, arquivem-se.
Dê-se vista ao Ministério Público.
Publique-se. Registro eletrônico. Intimem-se.
Brasília – DF, quinta-feira, 07/05/2015 às 19h06.

Jerry Adriane Teixeira
Juiz de Direito”

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